Observando o interior de um
relógio mecânico veremos numerosas rodas dentadas. Essas rodas desmultiplicam
(decompor em fatores) o movimento, assegurando que os ponteiros rodem na
velocidade certa. Transformam as oscilações da fonte de energia interna,
habitualmente com período de um segundo, em ciclos de uma hora para o ponteiro
dos minutos e de meio dia para o das horas.
Para conseguir esta conversão,
poderíamos construir uma roda com um dente apenas e acoplá-la à fonte, que
faria rodar essa roda uma vez por segundo. Depois essa roda seria encaixada em
outra com 3 600 dentes. Cada vez que a primeira fizesse uma rotação completa, a
segunda avançaria um de seus 3 600 dentes. Após 3 600 rotações da primeira
roda, ou seja, após uma hora, a segunda roda faria uma rotação completa. Essa
segunda peça poderia estar acoplada ao ponteiro dos minutos.
As rodas dentadas apenas com um
dente, no entanto, seriam muito instáveis e frágeis, tal como as rodas de 3 600
dentes seriam demasiadamente grandes. Os construtores preferem utilizar uma
sequência de rodas que transmitem o movimento inicial de uma para a seguinte,
reduzindo sucessivamente os períodos de rotação. Montam-se duas rodas dentadas
em cada eixo, de forma que um eixo recebe o movimento de uma roda e arrasta a
outra, que engata em uma terceira, em um segundo eixo, e assim sucessivamente.
A desmultiplicação final resulta do produto das desmultiplicações efetuadas em
cada passo.
Para obter a pretendida razão
3600/1, pode haver uma série de passos, por exemplo, 36/10 x 50/10 x 20/5 x
10/5 x 25/10 x 100/10, em que o primeiro número de cada fração representa o
número de dentes de uma roda e o segundo o número de dentes da roda de outro
eixo com que a primeira engata. Há muitas soluções possíveis. A arte está em
construir uma sequência ótima de rodas dentadas, nem muito grandes nem muito
pequenas, que obtenha a desmultiplicação pretendida.
No século 16 foram encontrados
algoritmos matemáticos para resolver iterativamente o problema. No essencial,
esses algoritmos fatorizam o numerador e o denominador da fração pretendida,
isto é, escrevem cada um dos dois números como um produto de números primos.
Assim, por exemplo, se quisermos obter a razão 28/45, escrevemos (2 x 2 x 7) /
(3 x 3 x 5) e existem diversos agrupamentos. Neste caso, (2 x 7) / (3 x 3) x
2/5, ou seja, 14/9 x 2/5, é uma das soluções possíveis para quem quiser usar
quatro rodas dentadas.
O problema torna-se mais
complicado quando é inviável ou impossível obter a razão exata e apenas se
podem obter aproximações. Se a razão for, por exemplo, 997/1999, tanto o
numerador como o denominador são números primos e a solução exata mais simples
consiste na construção de uma roda com 997 dentes e de outra com 1 999, o que
não parece viável. Mas a aproximação ½ ou 10/20, por exemplo, é bem razoável
neste caso, pois 997/1999 = 0,498. E qualquer que seja a razão pretendida é
sempre possível aproximá-la com a precisão que se quiser, usando sistemas de
rodas dentadas mais simples. O problema, no entanto, pode ser muito trabalhoso
e só no século 19 apareceram algoritmos eficientes para obter sistemas que
dessem boas aproximações.
A descoberta ao acaso de um
mecanismo no fundo do mar, em 1901, perto da ilha grega de Antiquítera mostrou
que o domínio da técnica era conhecido há muito tempo. O aparelho que foi
encontrado estava muito deteriorado e foram necessários muitos estudos para a
sua interpretação. Em 1974, finalmente, o historiador da ciência Derek Solla
Price conseguiu compreender o seu funcionamento. Verificou que era uma máquina
destinada a reproduzir o movimento aparente do Sol e da Lua, incluindo as
mudanças de fase do nosso satélite.
Hoje esses aparelhos são chamados
de planetários. São raros, pois são peças mecânicas muito caras. No seu cerne
está um sistema preciso de rodas dentadas que permite mover as esferas que
representam cada astro. O que mais surpreende no mecanismo de Antiquítera é a
precisão com que foi obtida a razão entre períodos lunares e períodos solares.
A desmultiplicação foi obtida por seis rodas dentadas, nas relações 64/38 x
48/24 x 127/32, em que temos a razão 254/19 = 13,36842. Um resultado certo até
a terceira casa decimal.
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